por Fernando Rafael | em Especial | 12/01/2021 18:08

Diferentes tempestades em forma de arco avançaram pela região provocando rajadas de vento severas

A Sigma Meteorologia alertava desde o final do domingo (10/01) e reiterou durante várias oportunidades ao longo da segunda-feira (11), com atualizações frequentes acerca do risco para intensas rajadas de vento, potencialmente severas em trechos da fronteira com o Uruguai, do sul gaúcho e da Costa Doce, o que de fato se confirmou. A previsão de mesoescala, também conhecida por previsão de tempestades, costuma ser muito difícil, uma pelos mecanismos complexos envolvidos nestes sistemas meteorológicos que são de escala espacial e temporal muito inferior aos sistemas sinóticos, como frentes frias e ciclones (sistemas muito bem compreendidos pela teoria Quase-Geostrófica e portanto de melhor previsibilidade) e outra pela ausência de dados de observação de estações meteorológicas e de sondagens, que fornecem informações cruciais para as equações diferenciais que compõem os modelos que geram os campos de previsão do tempo, analisados pelos meteorologistas. 

No entanto, apesar de todas as dificuldades, as previsões feitas de antemão, bem como o monitoramento e as previsões de curto prazo (nowcasting) contornou essa realidade e a previsibilidade foi bastante assertiva.

O ambiente atmosférico estava muito instável, com a presença de um cavado invertido em superfície que se estendia desde a Argentina até o RS, além de cavados de onda curta em médios níveis da atmosfera, escoamento difluente em altos níveis, forte incursão de ar quente e úmido de origem tropical através da corrente de ventos em baixos níveis conhecida com JBN (Jato de Baixos Níveis) e a presença de um intenso cisalhamento vertical do vento nas camadas entre 0-3 e 0-4 km. Todos estes fatores propiciaram a formação de intensas áreas de instabilidade associadas a um aglomerado maior de nuvens convectivas e de tempestades conglomeradas, também denominado Sistema Convectivo de Mesoescala (SCM), com característica de Linha de Instabilidade, inicialmente em departamentos do noroeste, norte e nordeste do Uruguai, durante a tarde, e posteriormente avançando por áreas de fronteira com RS e do sul gaúcho entre o final da tarde e o início da noite da segunda-feira (11).

Ao longo da Linha de Instabilidade (LI), algumas tempestades com segmentos de arco, também denominadas de Bow Echos na literatura norte-americana, se formaram e como de costume em estruturas com essas características, provocaram fortes rajadas de vento forte a severas, ao longo do interior de alguns municípios do centro/sul do RS, como em Pedras Altas, interior de Pinheiro Machado e de Morro Redondo, Pelotas, Rio Grande, São Lourenço do Sul, Camaquã e Encruzilhada do Sul, além de outros pontos da região, já que em análise realizada pela Sigma Meteorologia, vários bow echos (e não apenas um) se formaram sobre a região.

Imagens de satélite e de radar do evento na região:

Sequência de imagens de satélite do canal infravermelho mostram a presença de nuvens de grande desenvolvimento vertical. avançando de maneira alinhada. 
Sequência de imagens do radar meteorológico de Canguçu/RS mostram altas refletividades (cores laranjas e vermelhas, > 45/50 dBZ) indicam a presença de tempestades. O formato de arco sinalizam a presença de Bow Echos. 

Pelo fato da densidade populacional e de observação meteorológica ser baixa na região e os ventos dos temporais terem deixado centenas de milhares de pessoas sem energia na área de concessão da CEEE, a contabilização de estragos e dos danos ainda está sendo feita. 

Em Pedras Altas, uma pequena cidade do setor sul da Serra do Sudeste, a tempestade na análise da Sigma, pode ter gerado ventos na ordem de 120/130 km/h, da mesma forma como Pelotas onde houve vários estragos. Prova disso, no município pelotense, que a estação meteorológica do laboratório da Embrapa distante da região onde ocorrem os maiores estragos, registrou quase 97 km/h. Ainda no sul gaúcho, em Pinheiro Machado, na localidade de Serra do Veleda, distante cerca de 25 km em linha reta de Pedras Altas, as rajadas de vento registradas pela estação da Sigma Meteorologia chegaram aos 101,4 km/h. Mais a norte da Serra do Sudeste, em uma propriedade rural do interior de Encruzilhada do Sul, uma estação meteorológica com sensor de ventos instalado a 2 metros acima do solo (abaixo dos 10 m de altura que é o recomendado para os sensores de vento), registrou rajadas de até 111 km/h, o que indica que naquela região, os ventos também podem ter passado facilmente dos 120/130 km/h. 

Em nossa análise, pontualmente os ventos podem ter sido ainda mais fortes que 130 km/h, haja vista que houve muitos estragos com danos estruturais graves em casas, galpões e outras construções, além da queda de postes e de grandes árvores. Em Pelotas, houve queda de várias árvores, uma delas caiu sobre um carro na Av. Duque de Caxias e os ocupantes foram encaminhados ao hospital. Na Praia do Laranjal, trailers foram arrastados pela força dos ventos e outros muitos danos foram registrados, inclusive de destelhamentos. Em Rio Grande, acredita-se que uma mulher tenha perdido a vida por um choque elétrico quando tentava se proteger dos raios embaixo de uma parada de ônibus. 

Apesar disso tudo, tempestades severas não são incomuns não só nestas regiões como em outras áreas do RS, ocorrendo com maior frequência do que imaginamos. E apesar desse fato, pouco investimento ainda é feito na prevenção e no monitoramento meteorológico. Em Pelotas, por exemplo, em setembro de 2018, uma tempestade severa, gerou ventos superiores aos 120/130 km/h, causando graves danos em estruturas e deixando milhares sem o fornecimento de energia elétrica. 

Confira alguns registros dos temporais e dos estragos na região:

Estragos gerados pelo temporal em Pedras Altas, registro enviado por Leonardo Santos.
Estragos gerados pelo temporal em Pedras Altas, registro enviado por Leonardo Santos.
Estragos gerados pelo temporal em Pedras Altas, registro enviado por Leonardo Santos.
Estragos gerados pelo temporal em Pedras Altas, registro enviado por Leonardo Santos.
Estragos gerados pelo temporal em Pedras Altas, registro enviado por Leonardo Santos.
Equipes da prefeitura trabalham desobstrução de avenida em Pelotas, muitas árvores tombaram na cidade. Registro de Rodrigo Chagas/Prefeitura Municipal. 
Estragos em Pelotas. Registro de Jô Folha/Diário Popular.
Estragos em Pelotas. Registro de Jô Folha/Diário Popular.
Estragos em Pelotas. Registro de Jô Folha/Diário Popular.
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Fernando Rafael
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Meteorologista